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Canhotos vivem menos 9 anos do que os destros?

8 Jan 2024 - 10:52
falso

Canhotos vivem menos 9 anos do que os destros?

A ideia de que os canhotos vivem menos tempo do que os destros já não é recente e continua a ser bastante difundida online. Nesse sentido, há até publicações que sugerem, baseando-se num estudo publicado em 1991, que “os canhotos vivem em média 9 anos a menos que as pessoas destras”. Mas será verdade? Qual o nível de robustez da evidência citada?

É verdade que os canhotos vivem menos 9 anos do que os destros?

A resposta é não. Em declarações ao Viral, Paulo Santos, especialista em Medicina Geral e Familiar e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), adianta que não existe evidência que comprove que as pessoas canhotas vivem menos tempo. 

Então, o que diz o estudo citado como suposta prova de que os canhotos vivem menos 9 anos do que os destros? Em primeiro lugar, o médico consultado pelo Viral considera importante referir que, “apesar de o texto ter sido publicado na The New England Journal of Medicine, uma das mais prestigiadas revistas científicas”, foi submetido “sob a forma de carta ao editor, e não como artigo de fundo”.

De facto, no texto em questão, os autores concluem – com base em dados de 1900 a 1989 – que há uma diferença de 9 anos na esperança média de vida entre os canhotos e os destros. 

Contudo, segundo Paulo Santos, “este trabalho é muitas vezes apontado como uma falácia de análise estatística e de como uma simplificação na colheita de variáveis pode levar a conclusões que mais ninguém encontra no resto do mundo”. 

O médico admite que “este é um problema que acontece mais vezes do que o desejado na publicação científica, e com consequências, por vezes, muito significativas para os doentes”. 

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Além disso, é importante perceber que o trabalho em questão foi publicado em 1991, numa altura em que demorava muito mais tempo e era muito mais difícil fazer estudos deste tipo. 

“O aprofundamento estatístico não era o mesmo da atual era dos computadores e da internet”, acrescenta Paulo Santos. 

Por esse motivo é que “quase nunca se cita artigos publicados em anos anteriores a 1995”, frisa. Como explica o especialista, “são trabalhos muito antigos e, objetivamente, não oferecem uma análise de qualidade em relação aos padrões utilizados atualmente”.

Curiosamente, foi publicado, em julho do ano passado (ver aqui), “um artigo em que se faz uma análise dos dados reportados por Halpern e Coren”,no estudo em causa, refere o professor da FMUP.

Na secção da “discussão”, os autores referem que, de facto, ao utilizarem “várias fontes de dados” para modelar o número de “canhotos e destros que morreram nos Estados Unidos em 1989” e ao analisarem a amostra da mesma forma que Halpern e Coren, chegaram a “resultados semelhantes aos deles”.

Isto, quando não corrigiram para “a mudança histórica nos rácios de lateralidade”, escreve-se. 

Por outro lado, assim que controlaram “de forma adequada as taxas de lateralidade”, tendo em conta as variáveis, encontraram “pouca diferença na longevidade entre indivíduos canhotos e destros”, defendem.

Porque se verificou esta diferença? Paulo Santos explica que “na estatística é importante saber o que estamos a perguntar, porque, se a pergunta fizer sentido, o resultado está correto de certeza, o computador não falha”.

Na visão do médico, este trabalho “é um bom exemplo do que não se deve fazer”, isto é, “fazer uma análise direta dos resultados sem fazer um ajuste de acordo com as variáveis de interesse”. 

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Ao não se ter em conta as variáveis, obtém-se “resultados que não refletem a realidade, mostram apenas um resultado enviesado”, sustenta.

Neste estudo, quais foram os fatores que não foram tidos em conta? Paulo Santos enumera os mais evidentes, citando a análise de 2023:

Fator 1: A variação ao longo dos anos do número de esquerdinos 

Segundo os autores do estudo de 2023, o trabalho de 1991 é “um exemplo de falácia de dados clássica”, uma vez que são apenas comparados os valores obtidos e não as variáveis que dão origem a esses resultados.

A variável mais evidente é a alteração do número de canhotos ao longo do tempo. 

Como refere Paulo Santos, no período em que foram recolhidos os dados em análise, a forma como a sociedade via os canhotos foi-se alterando. O que chegou a não ser aceitável passou a ser, e os canhotos deixaram de “se forçar” a ser destros.

Contudo, defendem os autores do estudo de 2023, “Halpern e Coren rejeitaram desde o início a possibilidade de uma mudança na taxa de canhotos poder ter afetado os resultados, permitindo assim que a falácia clássica dos dados influenciasse as suas conclusões”.

Fator 2: Há mais homens canhotos que mulheres

A amostra do estudo de Halpern e Coren é composta por 495 homens e 492 mulheres. No entanto, uma das variáveis mais visíveis que não foi tida em conta é o facto de que ser canhoto é “uma caraterística mais prevalente nos homens”, refere Paulo Santos. 

Fator 3: Homens vivem menos do que as mulheres

À variável anterior junta-se o facto de “os homens também terem uma maior taxa de mortalidade por acidentes e uma sobrevivência geral significativamente mais baixa do que as mulheres”, sustenta o médico.

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Fator 4: Mudança de contexto

Antes, achava-se que “todos tinham de ser destros”. Aliás, salienta Paulo Santos, obrigava-se, por exemplo, as crianças a escreverem só com a mão direita.

“Ora, uma pessoa que é forçada a utilizar o braço que não é dominante para fazer tarefas do dia a dia acaba por estar mais sujeita a ter acidentes com essas tarefas, porque nunca as vai fazer com a mesma facilidade”, explica.

Hoje, apesar de se continuar a viver “numa sociedade predominantemente destra”, “já não se pensa da mesma forma”, conclui.

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8 Jan 2024 - 10:52

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